sábado, 15 de setembro de 2018

Estás Sozinho



      Estás sozinho. A tua pele é a fronteira entre a subjetividade e objetividade. Sentes que a tecnologia acentua o fosso. Não é bem isso. Sentes que o fosso acentua a tecnologia. The Falling Man. Por algum motivo não consegues esquecer essa fotografia. Sozinho, embora observado por milhões de pessoas, esse homem cai para a morte com dignidade de super-herói.
       As viagens estão cada vez mais rápidas. Pretende-se encurtar ao máximo o tempo entre os pontos A e B. A internet está cada vez mais veloz. A pressa de partir e a pressa de chegar confundem-se, a vontade de ser ubíquo e estar em dois lugares ao mesmo tempo substituiu a capacidade de permanecer apenas num lugar com concentração total. Resumindo: com a ânsia de estarmos em todo o lado, acabamos por não estar em lado nenhum.
       Comemos a andar. Falamos com desconhecidos por obrigação (o empregado do bar, a mulher do supermercado, o taxista curioso), olhamos o relógio e acedemos aos dados móveis enquanto a vida sucede. Prometeram-nos a felicidade. Declarou-se petulantemente o fim da história aquando da queda do muro de Berlim e hoje encontramo-nos mais perdidos que nunca. Os pilares ruíram, o papel-parede caiu e o espelho magoa-nos com a sua crueza. O abandono das instituições traduziu-se num aumento do consumo. Dizem-nos que ir às compras é um bom remédio para a angústia, o paliativo fornecido pelo sistema para que continuemos a viver uma farsa. Hipernormalização da realidade: todos sabemos que somos enganados e todos seguimos com o engodo.
       Quando, por fim, tiramos os olhos do nosso próprio umbigo, verificamos que há uma migração em massa devido a conflitos armados e consequências das alterações climáticas. Morre-se quase diariamente no Mediterrâneo. Morre-se diariamente na Síria. Enquanto isso, os discursos agudizam-se. O relógio do fim do mundo quer dar as doze badaladas. As democracias foram feitas reféns dos interesses privados e o extrativismo atinge o auge. Nada é poupado. Recorre-se ao fracking, incendeiam-se florestas exóticas para produzir óleo de palma, fazem-se razias para novos campos de cultivo de soja transgénica de modo a fazer face ao incremento de produção animal. Estima-se que a quantidade de plástico existente seja suficiente para cobrir todo o território da Argentina, oitavo maior país do mundo. Os oceanos têm cada vez menos biodiversidade. Seres humanos e seus animais domésticos - onde se incluem todas as espécies criadas para consumo - representam 97% da biomassa do planeta. Vivemos um holocausto diário. Mais de trezentos milhões de seres são abatidos diariamente para que o excesso de proteína animal no nosso prato não finde. Enquanto isso, doenças crónicas e cancros avançam e ceifam milhões de vida anualmente, mau grado todos os avanços médicos. Envenenamo-nos com alimentos processados e recorremos a medicação para combater os efeitos em vez de irmos à causa do problema. Somos a espécie de mamíferos mais bem sucedida na história do planeta Terra mas enfrentamos a nossa própria extinção. Fanatismos religiosos continuam a fazer vítimas inocentes com uma leveza desconcertante, enquanto os "bons da fita" fazem vista grossa ao dilema. Morre-se de fome. Cerca de um terço da humanidade vive abaixo do limiar da pobreza. O neocolonialismo impera e não olha a meios para atingir os seus fins. Menos de 1% da população detém 50% da riqueza. Ao contrário do que se possa pensar, a verdadeira guerra não acontece no Médio Oriente ou em algum lugar mais distante; a verdadeira guerra sucede sempre que recorremos às grandes multinacionais e, assim, validamos as suas práticas.
        Sozinhos, separados, frágeis, somos presas fáceis.

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Um intervalo de palavras

Venho por este meio informar a minha intenção de fazer uma pausa nas postagens deste blog. A vida não tem pausas, não se lhe pode pedir um tempo, deixá-la em suspenso, em espera. Mas a vós e, sobretudo, a mim, posso pedir este intervalo de palavras, de pensamentos, de pseudo-textos literários. Não é por falta de vontade e de palavras que tomo esta decisão, é talvez por falta de força e coragem, é talvez devido a este desgaste que sinto, esta erosão que se tem apoderado de mim. Preciso de recuperar um certo brilho, uma luz maviosa, aquela mesma que me acompanhou durante muito tempo sempre que as minhas palavras cumpriam o caminho que as separava do meu espírio até ao papel.

Terminei o segundo livro, "O Silêncio das Palavras", mas não me terminei a mim, nunca me vou terminar porque nem sei se já comecei. Peço tempo ao tempo para que o meu corpo se distenda sobre o vazio do não ter que pensar. Como tudo na vida, há momentos eufóricos e disfóricos e durante estes 3 anos e 3 meses, partilhei com textos muitos desses meus momentos. Agora, nesta estrada que percorro, encontro um STOP e decido encostar um pouco. Às vezes a melhor forma de vermos o que nos rodeia é fechando os olhos e sentirmos aquilo que de olhos abertos não nos é mostrado. Estou feliz: sei que a escrita é realmente o "Projecto da Minha Vida" mas no que a este blog diz respeito, a pausa que desejo encetar será certamente profícua para que no futuro os meus textos voltem a ter o fulgor de outrora.

Fábio Nobre

segunda-feira, 28 de março de 2011

O coração é o mapa

Há um caminho...e esse caminho é em frente. Por muito rápido que corras ou devagar que andes, nunca conseguirás dar dois passos de uma vez, será sempre passo por passo que construirás o teu trilho.


Que metáfora patética para a vida: caminhar. Para além de ser o cliché mais usado e gasto, é também o que menos sentido faz. Quando caminhamos, temos um destino ou um propósito, não nos ficamos pelo simples acto de caminhar: ou queremos chegar a algum lado ou exercitar o corpo ou simplesmente desfrutar de uma qualquer paisagem. Viver é existir sem direcção, é encontrar rumos diferentes a cada novo dia, é corrigir rotas, melhorar coordenadas, reparar erros para os voltar a cometer. Ao caminhar também nos podemos perder, é certo, mas há mapas e podemo-los seguir. Qual é o mapa para a vida, da vida? Só vejo um, o coração. No fim de contas, é ele que define que tipo de pessoa somos e o que queremos para nós, qual a pureza das nossas motivações e veracidade das nossas palavras. Não há GPS para a vida, cada curva pode ser um engano, cada passo uma queda. Mas se vivermos de acordo com aquilo que somos e formos genuínos connosco próprios, então não há engano ou erro que não valha a pena, pois cada um será mais uma etapa na nossa eterna descoberta sobre nós mesmos.

Fábio Nobre

quinta-feira, 17 de março de 2011

Meia idade

" (...) Aquela casa, com as divisões a prolongarem-se a cada passo do pai da Ana Teresa. A cozinha que nunca mais chegava, a porta da saída ou entrada que teimava em fugir, o quintal matreiro que o fintava. A solidão expandia a casa ou encolhia o pai da Ana Teresa. Era uma solidão a part-time porque ele sabia que a filha estava perto mas era uma solidão sufocante porque nascia de dentro dele. Ele tinha já começado a perceber que a velhice abranda o tempo, torna cada hora mais demorada, mas apressa o tempo, torna cada dia mais curto. E a sua era uma velhice sobretudo mental, porque o seu corpo ainda não acusava severamente os sinais do envelhecimento, estava na meia-idade: como se pode estar na meia-idade se nunca sabemos com que idade morremos? (...)"


Fábio Nobre in O Silêncio das Palavras



sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

O Hoje de Amanhã

Hoje, o meu blog faz três anos. E para assinalar esta data simbólica pedi um pequeno texto ao César Lopes. Ele, mais que um amigo, sempre uma luz guiadora, uma espécie de farol nas noites escuras. Desde o início desde blogue que ele teve um papel importante por ter expressado sempre a sua opinião em relação à minha escrita e me ter feito evoluir, me ter ajudado a limar algumas arestas. E agora, passados três anos, pedi-lhe este pequeno texto para assinalar este momento e ele, sem supresas, correspondeu. Apesar da vida muito ocupada, apesar das preocupações, apesar do cansaço, ele correspondeu porque ele sabe, como eu sei, que para a amizade há sempre tempo, há sempre espaço.


Admito que tinha pedido um pequeno texto a mais duas pessoas: três anos, três textos. Por alguma razão, essas pessoas não me enviaram os mesmos. Não é grave, têm os seus motivos. Garanto apenas que a qualidade desta publicação não fica beliscada por isso, pois o pequeno texto do César absorve, engloba e, quiçá, transcende tudo o que eu tinha em mente quando pedi estes textos. É, pois, uma honra para mim marcar este dia com um texto seu, para que ele possa deixar literalmente o seu cunho no meu blogue como já o deixou por tantas vezes de forma simbólica.



O Hoje de Amanhã
Olhando para trás, o Passado parece-nos tão próximo que vivemos sufocados
com a brusquidão e impetuosidade do Presente. O amanhã não existe, apenas
o ontem e o hoje. O antes, o agora e recordações. Não temos mais nada, a não
ser a certeza de que somos, até deixarmos de ser. Nada mais.
Temos de aceitar que tudo o que vimos, cheirámos, tocámos, amámos, sentimos,
não deixará marca, só pó, cinzas e memórias... Resta-nos aproveitar cada
brisa da nossa existência e procurar encontrar algum sentido no Universo.
Viver cada momento como se fosse o último, pois o que fizermos nestes dois dias,
ecoará na Eternidade ... Olhando para trás, sei que ser teu amigo valeu a pena.
Esperemos pelo hoje de amanhã ...


César Francisco Araújo Lopes


terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Perdido algures...


Agarro-me a ti, à socapa, com medo que me fujas, encontro-te dentro dos meus olhos e sei que me pertences. Mas nada é eterno e há sempre algo de novo para descobrir, quero-te, amo-te, mas não me sei exprimir. Espero-te dentro do meu peito, numa masmorra chamada coração, sento-me no tempo e aguardo o teu perdão. Estou longe, não de ti, mas de mim, estendeste-me o fio de seda e conduziste-me, não sei como me perdi. Amanhã nascerá o sol nos olhos de quem acredita e tudo parecerá mais simples e mavioso, sei disso e sinto-me aliviado, mesmo que em mim não haja sol que nasça, que não o faça desgastado.



Se me conheces, labirinto do meu ser, não me chames pelo nome, que chamar pelo nome é parecer que sou distância no teu espírito. Chama-me por gestos e sorrisos, que as tuas mãos na minha nuca são paraísos, os teus lábios nos meus são rosas, os teus seios pedras preciosas.


Para além de tudo isto, o amor é morte anunciada, estou morto de tanto te amar, não me resta mais nada. Amanhã é um dia novo, para quem se atrever a vivê-lo, não há sonho, por mais puro que seja, que não se possa tornar pesadelo.


Fábio Nobre 18/01/2011

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

A Primeira Vez

Escrevo aqui pela primeira vez desde que publiquei o meu livro. E porque não é só um livro mas o início da minha viagem pelo mundo das palavras, o dia 11 de Dezembro de 2010 marcou uma viragem importante na minha vida. Não sei para onde me dirijo nem tão pouco o que o futuro me reserva. Sei apenas que tenho muito para dizer e uma grande ambição. Onde me levará não sei nem posso saber.

Os temores que invadem um escritor aquando da criação da sua obra são imensos. As dúvidas que o assolam são obsidiantes e avassaladoras e parecem castrar, em certos momentos, toda a sua capacidade criativa. Eu começo a saber isto agora. Começo a entender que quando escrevo parecem-se formidáveis as palavras que vão saindo. Quando asleio são apenas razoáveis e quando as releio são más. E então volto a lavrar a terra que já tinha sido trabalhada. Um texto nunca está pronto. Há sempre mais que fica por dizer do que aquilo que foi dito. Todos os escritores procuram  mesmo: dizer o que realmente querem e cada livro que publicam é uma nova tentativa infrutífera de o fazerem.

Já comecei o meu novo projecto: um romance. O meu primeiro romance, quiçá o único, o último. E nesta fase, as dúvidas e temores perturbam-me e martelam-me na mente com atrocidade. Eu resisto e avanço por esse corredor escuro. tacteando as paredes, tentando descobrir o caminho na penumbra e esperando que a luz me alcance. Sou mais medo que coragem. Mas avanço. Rasgo caminho por entre as palavras que ficam por escrever e espero que possa ser bem sucedido nesta minha aventura. Sei agora que escrever um romance é uma aventura, requer fôlego, perspicácia e teimosia. Sou o início do que quero começar e espero que consiga lidar com essa pressão.

Fábio Nobre. Devo este nome aos meus pais, avós, bisavós, trisavós, tetra-avós e por aí adiante. Fábio Nobre: é agora o meu momento de existir e não devo isso a ninguém. Estou eternamente agradecido a muita gente mas este agora sou eu. Fábio Nobre: agarra no lápis e desenha os rabiscos da tua vida.


23/12/2010