segunda-feira, 28 de março de 2011

O coração é o mapa

Há um caminho...e esse caminho é em frente. Por muito rápido que corras ou devagar que andes, nunca conseguirás dar dois passos de uma vez, será sempre passo por passo que construirás o teu trilho.


Que metáfora patética para a vida: caminhar. Para além de ser o cliché mais usado e gasto, é também o que menos sentido faz. Quando caminhamos, temos um destino ou um propósito, não nos ficamos pelo simples acto de caminhar: ou queremos chegar a algum lado ou exercitar o corpo ou simplesmente desfrutar de uma qualquer paisagem. Viver é existir sem direcção, é encontrar rumos diferentes a cada novo dia, é corrigir rotas, melhorar coordenadas, reparar erros para os voltar a cometer. Ao caminhar também nos podemos perder, é certo, mas há mapas e podemo-los seguir. Qual é o mapa para a vida, da vida? Só vejo um, o coração. No fim de contas, é ele que define que tipo de pessoa somos e o que queremos para nós, qual a pureza das nossas motivações e veracidade das nossas palavras. Não há GPS para a vida, cada curva pode ser um engano, cada passo uma queda. Mas se vivermos de acordo com aquilo que somos e formos genuínos connosco próprios, então não há engano ou erro que não valha a pena, pois cada um será mais uma etapa na nossa eterna descoberta sobre nós mesmos.

Fábio Nobre

quinta-feira, 17 de março de 2011

Meia idade

" (...) Aquela casa, com as divisões a prolongarem-se a cada passo do pai da Ana Teresa. A cozinha que nunca mais chegava, a porta da saída ou entrada que teimava em fugir, o quintal matreiro que o fintava. A solidão expandia a casa ou encolhia o pai da Ana Teresa. Era uma solidão a part-time porque ele sabia que a filha estava perto mas era uma solidão sufocante porque nascia de dentro dele. Ele tinha já começado a perceber que a velhice abranda o tempo, torna cada hora mais demorada, mas apressa o tempo, torna cada dia mais curto. E a sua era uma velhice sobretudo mental, porque o seu corpo ainda não acusava severamente os sinais do envelhecimento, estava na meia-idade: como se pode estar na meia-idade se nunca sabemos com que idade morremos? (...)"


Fábio Nobre in O Silêncio das Palavras